sábado, 15 de novembro de 2008

ONTEM FIZ 30.


"Fazer 30 anos é, entre tantas coisas, finalmente reconhecer a total desimportância que você ou o seu aniversário tem para o mundo. Dessa forma, começar uma crônica com a frase “ontem fiz 30 anos” é de uma sem-vergonhice incompatível com a idade de 30 anos. Esse é o tipo de pensamento que o s seres humanos começam a ter com 30 anos. Até os 30 anos, vivi como se fosse uma entidade imcorpórea. Com a idade premiada, vem a descoberta: você mora num corpo, e esse corpo não é oco. Aos 30 anos, descobrem-se onde fica o fígado, o pâncreas, os rins. Não num livro de anatomia, mas através de pontadas no abdômen. Aos 30 anos, você percebe seu coração esgarçado não é simplesmente uma metáfora, que ressacas podem durar três dias, e cogita a hipótese de parar de entupir suas veias com lixo. Esse é o tipo de lista que os seres humanos começam a fazer com 30 anos. Hoje, vejo que aos 20 era um imbecil que não sabia nem dar bom dia a uma mulher, como diria Nelson Rodrigues. Aos 40, espero não chegar à mesma conclusão quando reler esta crônica. E, sobretudo, não me arrepender demais do trecho da minha biografia correspondente à década que começa hoje. Preocupar-se com a opinião que você terá sobre si mesmo no futuro é o tipo de antecipação inútil que os seres humanos começam a ter com 30 anos. Aos 30 anos, você sente essa compulsão estúpida de fazer contas: quantos ossos quebrados, quantas linhas publicadas, quantos endereços, quantas vezes pra sempre, e assim, cede à tentação estéril de buscar algum sentido ao colocar as coisas em perspectiva, ilusão típica desses seres humanos que completam 30 anos. Tudo o que você não é ainda pode ser a partir dos 30 anos - com óbvias exceções como astronauta, atleta olímpico ou concertista de piano. Ainda dá tempo de escrever a grande obra, seu uma estrela do rock, morar num veleiro e começar a fazer cinema. Esse é o tipo de pretensão delirante e desesperada onde os seres humanos podem, ainda, se refugiar aos 30 anos. No entanto, algo acompanha os 30 anos que é mais importante do que todo o resto: a convicção cristalina de que seus bons defeitos não têm cura. De que você é um acidente esperando pra acontecer desde que nasceu. De que, depois de cada desastre, a vida seguirá - até que acabe. Esse é o alívio possível, essa é a saída- essa é a iluminação do homem de 30 anos. “E aí ele se aproxima não do homem de 20 ou 50, mas do homem de cinco, do homem relaxado, tranqüilo e bem resolvido quando era quando tinha cinco anos.”
(JOAO PAULO CUENCA)
Estou quase lá. Felizmente cada vez mais seguro, feliz e um pouquinho mais sábio.